O Congresso dos Estados Unidos e a TPP: implicações para o Brasil

Desde o colapso das negociações da chamada Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) em 2003, os Estados Unidos têm buscado acordos bilaterais e subregionais de comércio e investimento com os países da América Latina. Washington encontrou parceiros dispostos a negociar acordos de livre comércio no Chile, Colômbia, Panamá, Peru, República Dominicana e outros Estados da América Central. Canadá e México, por sua vez, já se encontram profundamente integrados à economia estadunidense, graças ao arcabouço institucional do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, sigla em inglês). Ainda assim, o Brasil, principal mercado latino-americano, manteve-se fora dos limites da diplomacia comercial dos Estados Unidos.


Embora a abertura do mercado brasileiro seja a principal ambição de inúmeras empresas estadunidenses na América Latina, sabe-se, em Washington, que a materialização de um acordo bilateral dependeria de uma mudança significativa da política comercial do Brasil. O mesmo raciocínio vale para qualquer negociação envolvendo os membros do Mercado Comum do Sul (Mercosul), tendo em vista o peso do Brasil no bloco.
Diante da impossibilidade de chegar a um acordo de livre comércio com o Brasil, os Estados Unidos exploraram outras oportunidades no hemisfério ocidental. Nesse sentido, defensores de uma maior liberalização no âmbito regional tiveram seu protagonismo substituído pelo foco, tanto da diplomacia como da política comercial, na Ásia e na Europa. Os resultados dessa mudança são notáveis. Em outubro de 2015, doze países concluíram as negociações da Parceria Transpacífica (TPP, sigla em inglês). O governo estadunidense também busca um amplo tratado comercial com a União Europeia (UE): a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, sigla em inglês).
Mesmo que não participe dessa nova fase da política comercial dos Estados Unidos, o Brasil será diretamente afetado pela assinatura de acordos megarregionais. Em Washington, especialistas argumentam que o avanço das negociações para o estabelecimento da TPP e da TTIP será um grande incentivo para o engajamento do governo brasileiro. A pressão, acreditam, seria ainda maior considerando a estagnação econômica vivida pelo país. Contudo, ainda é cedo para apontar os impactos concretos da TPP sobre a política comercial do Brasil. No momento, a questão mais relevante é a seguinte: qual será o papel do Congresso dos Estados Unidos na determinação da política comercial do país? Estará o Legislativo estadunidense disposto a aprovar rapidamente a TPP? A previsão é de uma intensa batalha em Washington, cujo resultado está longe de ser previsto.
O papel do Congresso na determinação da política comercial
A Constituição dos Estados Unidos determina uma responsabilidade central do Legislativo em matéria de política comercial. No entanto, o pragmatismo tem levado o Congresso a delegar determinadas prerrogativas ao Executivo, em especial no que toca às negociações de acordos comerciais.
Mais especificamente, os legisladores podem conceder a Autoridade para Promoção Comercial (TPA, sigla em inglês) à Casa Branca, renovando-a por períodos limitados. Embora a TPA mantenha a necessidade de consulta ao Congresso, suas regras estipulam procedimentos que agilizam a aprovação de tratados negociados pelo governo federal tanto na Câmara dos Representantes quanto no Senado. Nesse sentido, sua concessão é vista como um elemento fundamental para a criação de confiança entre as partes em uma negociação. Afinal, a TPA garante que, uma vez negociado, um acordo não será desfigurado por emendas parlamentares. Aos legisladores estadunidenses, cabe decidir pela aceitação dos resultados votando "sim" ou "não" ao texto integral.    
A crescente polarização partidária na política comercial estadunidense tem contribuído para o acirramento das disputas em relação à conveniência de concessão de uma TPA. Em 2015, isso não foi diferente. Após meses de forte resistência, a administração Barack Obama obteve a TPA em junho graças ao apoio de políticos ligados ao Partido Republicano. O apertado resultado, porém, escancarou não apenas a divisão entre os dois principais partidos políticos estadunidenses, mas também dentro deles. De fato, apenas 13 senadores e 28 representantes ligados ao Partido Democrata votaram favoravelmente à concessão da TPA.
Essa votação evidencia uma batalha ideológica mais ampla em matéria de comércio, que tem se tornado cada vez mais rígida à medida que as alas moderadas de ambos os partidos perdem importância. O resultado também reflete tensões institucionais antigas entre Executivo e Legislativo sobre política comercial. Mais especificamente, a definição da política comercial costuma colocar o presidente e o Congresso em rota de colisão, refletindo suas distintas preocupações. Enquanto o Executivo analisa questões políticas e econômicas internacionais e mede os custos e benefícios agregados de suas iniciativas, os membros do Legislativo representam os interesses de suas bases eleitorais. Tal dinâmica é especialmente conflitiva na Câmara dos Representantes, onde a perda de empregos em decorrência de um acordo de livre comércio se concentra em distritos específicos. Muitos deputados do Partido Democrata enxergam no comércio internacional muito daquilo que desgostam nas mudanças ocorridas na economia dos Estados Unidos durante as últimas décadas.
A evolução das negociações da TPP
Não por acaso, o processo de ratificação da TPP promete ser uma batalha intensa em Washington. Marcado por suas regras ambiciosas e pela ampla cobertura, o acordo ultrapassa os limites estabelecidos por qualquer outro. Além dos Estados Unidos, quatro países pertencentes ao hemisfério ocidental – Canadá, Chile, México e Peru – e sete localizados na área chamada "Ásia-Pacífico" – com destaque para o Japão – participaram das negociações. Em resumo, as doze economias que compõem a TPP representam 40% do produto interno bruto (PIB) mundial.
Após cinco anos e 19 rodadas formais de conversações, as negociações foram concluídas em 5 de outubro. Um mês mais tarde, a administração Barack Obama disponibilizou ao público o texto integral da TPP, dando início ao período de três meses determinado pela TPA para a revisão do acordo pelo Congresso. Na melhor das hipóteses, o Legislativo votaria pela implementação da TPP no primeiro semestre de 2016, período que coincidirá com a campanha presidencial nos Estados Unidos. Conforme escrito por Daniel Twining no Financial Times, a Casa Branca "não poderia ter escolhido uma época pior para conseguir a aprovação da TPP no Congresso"[1].
Mesmo na melhor das hipóteses, a coincidência entre ambos os processos certamente aumentará a dificuldade política para a aprovação da TPP. Por exemplo, a provável candidata Hillary Clinton agora se mostra desfavorável ao texto, embora tenha apoiado o acordo durante seu período como secretária de Estado. Ainda entre os membros do Partido Democrata, a maioria dos congressistas opõe-se à TPP. Da mesma forma, os sindicatos, importantes doadores para as campanhas do Partido, estão pressionando fortemente contra um desfecho favorável na ratificação da TPP. Essas tensões provavelmente motivarão a volta das críticas ao NAFTA, uma prática recorrente nas últimas duas décadas e que será reforçada devido à participação de Canadá e México em ambos os arranjos.
Tradicionais defensores do livre comércio, a maioria dos legisladores ligados ao Partido Republicano deve apoiar a ratificação da TPP. Ainda assim, diversos pré-candidatos à Presidência manifestaram suas críticas ao acordo. O contexto eleitoral deve gerar certa relutância entre os membros do Congresso pertencentes à oposição republicana. De fato, a aprovação da TPP significaria uma vitória para o presidente Barack Obama.
Em um sinal infausto, Orrin Hatch, senador que ocupa uma posição central no Comitê de Política Comercial, divulgou uma nota crítica à conclusão das negociações: "Embora os detalhes ainda estejam sendo revelados, temo que o acordo é lamentavelmente insuficiente"[2]. Em parte, sua preocupação deriva da oposição da indústria farmacêutica estadunidense a concessões no tema de exclusividade no uso dos dados para os chamados "medicamentos biológicos", cuja fabricação depende do uso de células vivas. O tema envolveu polêmicas incontáveis, o que contribuiu para o atraso nas negociações. É possível que a mesma questão enfraqueça o lobby da iniciativa privada pela ratificação da TPP.    
A reticência quanto à conveniência da TPP levanta sérias questões. Parece claro que o acordo não será aprovado sem o apoio da liderança do Partido Republicano. Nesse sentido, um sinal positivo para o futuro do acordo é a eleição de Paul Ryan, um ardente defensor do livre comércio, à Presidência da Câmara dos Representantes. Os próximos meses serão decisivos para o futuro do comércio internacional e, até o momento, não existem evidências em Washington que permitam a identificação de um rumo claro.
Implicações para a política comercial dos Estados Unidos
Embora a defesa da TPP esteja centrada nos benefícios econômicos aos Estados Unidos, funcionários do governo estadunidense também têm apontado para a importância estratégica do acordo. Aspecto central no realinhamento da política dos Estados Unidos em relação à Ásia, a TPP é tida como vital para manter o prestígio e a influência do país. Em declarações que tiveram ampla repercussão, o secretário de Defesa Ash Carter afirmou que a ratificação do acordo é tão importante para ele quanto um porta-aviões. Por sua vez, o secretário de Estado John Kerry argumentou que o estabelecimento de um sistema de comércio global aberto e baseado em regras claras constitui um passo fundamental para o interesse nacional dos Estados Unidos.
Em sua primeira aparição pública em Washington após o fim das negociações da TPP, o representante dos Estados Unidos para Comércio (USTR, sigla em inglês), Michael Froman, defendeu as ambiciosas regras ambientais e trabalhistas, as novas disposições em matéria de propriedade intelectual e os limites impostos à ação de empresas públicas entre os membros da TPP. Ao mesmo tempo, Froman enfatizou a importância de um ordenamento baseado em regras, dada a "competição entre modelos econômicos".     
A implicação tácita das declarações de Froman é que, se os Estados Unidos fracassarem em escrever novas regras, a China o fará. Conforme a ex-subsecretária de Defesa Michèle Flournoy escreveu no Wall Street Journal, a incapacidade de ratificar a TPP criaria um vácuo de liderança que “seria rapidamente ocupado por outras potências, especialmente a China, que estaria mais do que satisfeita com o estabelecimento de regras mais frouxas e padrões menos ambiciosos para o comércio global"[3].
A fortaleza do acordo, porém, é sua natureza. Ao propor uma plataforma aberta, a TPP permite a participação de outros países no futuro, desde que aceitem adotar os mesmos padrões. Seus participantes, assim, podem refutar acusações de que estejam isolando ou excluindo intencionalmente a China, o eterno "elefante na sala".
De certo modo, quando o assunto é TPP, o Brasil é a China do hemisfério ocidental. Embora não seja um rival geopolítico da mesma forma como os chineses o são, o Brasil é a principal economia da região. Além disso, os dois países são semelhantes em sua proteção ao comércio internacional.
Brasília e Washington protagonizaram inúmeras disputas nos últimos anos, em resposta a decisões políticas de ambas as partes. Exemplos de atritos bilaterais incluem o fracasso do governo dos Estados Unidos em reformar seu programa de subsídios ao algodão e o aumento do protecionismo sobre o mercado brasileiro. Por sua vez, barreiras não-tarifárias, como licenças de importação, requerimentos de regras de origem e a intervenção nos fluxos comerciais por meio da concessão de linhas de financiamento passaram a definir o Brasil aos olhos da comunidade internacional de investidores.    
Os riscos potenciais derivados da resistência do governo brasileiro a uma maior abertura comercial são evidenciados tanto pelo estabelecimento da TPP quanto da Aliança do Pacífico. A ratificação da TPP demonstraria a viabilidade das negociações megarregionais em um contexto marcado pela paralisia das discussões no nível multilateral. O Brasil, assim, enfrentaria um isolamento crescente e possíveis desvios de comércio, que afetariam tanto sua indústria quanto seu setor agrícola. 
Ao final do processo, o Congresso dos Estados Unidos pode impor uma significativa derrota à TPP, afetando a credibilidade do país na arena comercial. Caso obtenha êxito na ratificação do acordo, porém, Washington pressionará Brasília – e Beijing – a aderir a um regime comercial caracterizado por sua ambição e complexidade institucional ou ser excluído dos fluxos econômicos mais dinâmicos. Trata-se de um desfecho que, em grande medida, dependerá dos desdobramentos eleitorais em 2016.
 Autora: Kezia McKeague é diretora de relações governamentais no escritório de Washington do Council of the Americas.
[1] Ver: Twining, Daniel.Barack Obama’s Late Lamented Trade Deal. In: Financial Times, 14 out. 2015.
[3] Ver: Florunoy, Michèle. A Trade Deal With A Bonus For National Security. In: Wall Street Journal, 08 mar. 2015.

Fonte: ICTSD